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Japan Airlines 123: como um reparo mal feito causou um dos acidentes aéreos mais mortais da história

Japan Airlines 123: como um reparo mal feito causou um dos acidentes aéreos mais mortais da história
Japan Air Lines 123: Conheça a história do segundo maior acidente aéreo de todos os tempos
A bordo de um voo entre Tóquio e Osaka, no Japão, Hirotsugu Kawaguchi pegou um pedaço de papel para escrever uma carta – não para postar no correio, mas para colocar no bolso, na esperança de que chegasse até seus filhos e sua mulher, caso seu corpo fosse encontrado.
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“Mariko, Tsuyoshi, Chiyoko, sejam bons uns com os outros e trabalhem duro. Ajudem a sua mãe. É triste, mas tenho certeza de que eu não vou sobreviver. (...) E pensar que aquele jantar de ontem foi o nosso último.”
Kawagushi, de 52 anos, era um dos passageiros do voo 123 Japan Airlines, o segundo acidente mais mortal da história da aviação —e o primeiro envolvendo uma única aeronave.
Naquele final de tarde de 12 de agosto de 1985, 520 das 524 pessoas a bordo morreram quando um Boeing 747 sem controle bateu em uma montanha —pouco mais de meia hora depois de o leme ser arrancado em pleno voo. A tragédia, que completa 40 anos em 2025, só perde em fatalidades para o chamado "desastre de Tenerife", um choque entre aviões que deixou 583 mortos em 1977.
(⚠️Esta reportagem é parte de uma série do g1 dedicada à reconstituição de acidentes e incidentes aéreos, explicando como ocorreram e quais as lições aprendidas. Ao final deste texto, veja a lista dos capítulos já publicados)
A carta de Hirotsugu Kawaguchi foi encontrada junto ao corpo dele. Outros passageiros daquele voo também escreveram em guardanapos, livros ou o que tivessem à mão os seus “isho” (notas de despedida).
Boeing 747 envolvido no acidente com o voo Japan Airlines 123
Wikimedia Commons
Um feriado próximo
Eles haviam embarcado em Tóquio no fim da tarde de 12 de agosto. A data era próxima a um feriado que os japoneses costumam passar com seus parentes. Aeroportos e aviões estavam lotados.
Naquele caso, a Japan Air Lines designou um Boeing 747-SR para fazer o voo 123, entre o aeroporto de Haneda, na capital, e o de Itami, em Osaka. A variante SR dos enormes 747, apelidados de Jumbo, foi feita especialmente para o mercado japonês.
Devido ao intenso tráfego aéreo no país – e a demanda de uma economia próspera nos anos 1970 e 1980 –, as companhias japonesas pediram à Boeing para criar uma versão do modelo para mais passageiros e com menos autonomia de voo. O “SR” significa “short range”, ou curto alcance, em português.
No total, 524 pessoas estavam a bordo: 509 passageiros e 15 tripulantes.
✈️ Histórias incríveis da aviação
Na cabine, o copiloto Yutaka Sasaki, 39, ocuparia o assento do lado esquerdo, geralmente reservado ao comandante: isso porque ele estava em fase final de treinamento para se tornar comandante do 747, e aquele voo fazia parte de uma de suas últimas avaliações.
Do lado direito, estava o veterano comandante Masami Takahama, 49. Ele seria o responsável pela operação de rádio e comunicação do voo, deixando a pilotagem para Sasaki.
Os dois estavam acompanhados pelo engenheiro de voo Fukuda Hiroshi, 46, também experiente, com mais de 3.800 horas no 747. (A função de engenheiro de voo é hoje extinta na aviação comercial regular de passageiros devido à automação das aeronaves).
A aeronave saiu do portão e decolou de Haneda ainda com sol, pouco depois das 18h.
Passageiro do voo Japan Air Lines 123 fotografa cabine após queda das máscaras de oxigênio
Japan Air Lines/Domínio Público
Descompressão explosiva
Às 18h24, 12 minutos após a decolagem, e quase já em altitude de cruzeiro, o voo 123 ainda sobrevoava a baía de Sagami quando uma forte descompressão explosiva ocorreu na parte traseira da aeronave.
Um barulho violento tomou conta da cabine de passageiros, enquanto as máscaras de oxigênio caíam em frente a eles. O pânico se instalou.
Os pilotos sabiam que havia uma emergência e logo trocaram o código do voo no transponder para 7700, sinal universal de emergências aéreas. O comandante Takahama decidiu pelo retorno imediato ao aeroporto de origem..
Quando Sasaki tentou desviar a aeronave para retornar ao aeroporto de origem, no entanto, o 747 não respondeu ao comando do manche.
A explicação, mais tarde descoberta na análise da caixa-preta, foi dada pelo engenheiro de voo: todos os quatro sistemas hidráulicos do Jumbo estavam com a pressão zerada.
Acredita-se que os pilotos jamais chegaram a saber exatamente o que se passou com o 747. Da frente da aeronave, eles não faziam ideia que a descompressão havia ocorrido em consequência da explosão da cauda, que arrancou completamente o leme e quase todo o estabilizador vertical do avião.
A descoberta: um avião incontrolável
Cada Boeing 747 possui pelo menos três sistemas essenciais idênticos instalados funcionando: isso é chamado de tripla redundância. O objetivo é se proteger de qualquer eventual falha nos céus e manter o avião voando, fornecendo sistemas alternativos. É um procedimento normal da aviação.
O sistema hidráulico também funciona dessa forma. Mas todos os quatro conjuntos de tubulações são instalados muito perto um do outro na região da cauda, para ativar os controles do leme e dos elevadores traseiros.
Essa condição também contribuiria para um famoso acidente alguns anos depois, o do voo United 232, em 1989. (Leia aqui a reportagem do g1 sobre esse acidente, conhecido como o "pouso impossível")
Sem sistema hidráulico, quase nenhuma superfície de controle do 747 como estabilizadores, elevadores, aileron etc, podia ser movida, limitando severamente a capacidade dos pilotos de realizar qualquer manobra.
Cinco minutos depois da explosão uma comissária de bordo conseguiu interfonar para os pilotos para relatar o que se passava na parte de trás do avião. Ela também não sabia ao certo: pensou que era uma porta do compartimento de carga que havia se desprendido.
Como uma embarcação em um mar revolto
A situação a bordo era difícil. Na ausência de comandos dos pilotos, a aeronave havia adotado dois comportamentos aerodinâmicos:
'Movimento fugoide': o ângulo de ataque do nariz oscilava para baixo e para cima. Quando o nariz subia, ele perdia velocidade; ao descer, ele ganhava velocidade novamente, e o ciclo se repetia sucessivamente.
'Rolamento holandês': sem o estabilizador vertical, o 747 girava para um lado e para o outro, como se fosse uma embarcação em um mar revolto. Esse movimento causava uma sensação de náusea em diversos passageiros.
A torre de controle, ciente da situação difícil, conversava com Takahama. O controlador sugeriu um pouso de emergência no aeroporto de Nagoya, logo à frente do voo 123. O comandante recusou – acredita-se que ele ponderou que o pouso seria muito difícil, e Haneda tinha uma pista maior, além de mais serviços de emergência a postos.
Falta de ar, confusão mental e o silêncio
O controlador, falando em inglês até aquele momento, adotando o padrão internacional da aviação, concordou. Ele também autorizou a comunicação em japonês, para facilitar a operação dos pilotos.
Takahama concordou, e não trocou mais uma palavra sequer com a torre por mais de dez minutos. A situação não é anormal —durante uma emergência, a prioridade da tripulação é, pela ordem: voar (manter o controle da aeronave), navegar (saber a localização e a direção) e só por fim se comunicar (informar a situação ao controle de tráfego aéreo).
Mas, às 18h33, o gravador de voz da caixa-preta registra uma informação preocupante. O engenheiro de voo sugere duas vezes que o trio coloque as máscaras de oxigênio.
Eles voavam naquele momento a 24 mil pés de altitude, mais de 7,3 km acima do nível do mar. Sem pressurização, o cérebro dos pilotos não recebiam oxigênio o suficiente, e eles começavam a manifestar sintomas de hipóxia.
Apesar do lembrete do engenheiro, nenhum deles colocou a máscara até a queda, de acordo com a análise dos investigadores.
Às 18h35, o engenheiro passou a conversar com a torre por meio de uma frequência de rádio exclusiva – em condições normais, é o piloto que conversa com a torre, em uma frequência aberta para as outras aeronaves próximas.
Fukuda passou informações incorretas, ao ser questionado sobre o motivo da emergência. Disse que a descompressão estava relacionada à perda de uma porta de passageiros.
Diversas vezes, o copiloto pergunta algo ao comandante, mas fica sem resposta. O trio vai silenciando aos poucos.
Voo 123 da Japan Air Lines é registrado por fotógrafo amador passando sobre Okutama, já sem parte do estabilizador vertical
Boeing/Domínio Público
'Aeronave incontrolável'
Ainda assim, Sasaki usa o único controle que ainda lhe resta no 747: as manetes de potência dos quatro motores. Dando mais empuxo do lado esquerdo, ele faz uma curva à direita a cerca de 35 km do monte Fuji, ensaiando um retorno para Haneda. Por tentativa e erro, ele também consegue diminuir o ciclo de sobe-e-desce, estabilizando a altitude.
A tripulação também decide baixar o trem de pouso, mesmo estando ainda longe da pista. A ação, possível de ser realizada sem o sistema hidráulico, faria o avião desacelerar e perder altitude, retornando para um local da atmosfera onde era possível respirar.
Finalmente, a aeronave começou a descer, chegando a 17 mil pés (5,2 km).
O trem de pouso piorou, porém, a capacidade de Sasaki controlar a trajetória. Ao tentar fazer uma curva, o Jumbo acabou descrevendo uma trajetória de 360º durante o percurso.
Eram 18h45 no Japão quando os pilotos, já a 4,1 km de altitude, pareceram recobrar a consciência plena. Com os efeitos da hipóxia amenizados, eles passaram a conversar mais e transmitiram uma mensagem à torre:
“Aeronave incontrolável.”
Takahama comentou, em particular, com seus colegas, pouco depois: “Pode ser que não tenha volta”.
✈️ Histórias incríveis da aviação
Tentativas finais
O 747 se aproximava de Tóquio às 18h47 quando, em vez de seguir na trajetória à direita, ele passa a demonstrar uma tendência de virar à esquerda, no sentido contrário ao de Haneda. À sua frente, os pilotos veem uma cadeia de montanhas se erguer, em frente ao sol poente.
Takahama ordena a Sasaki dar potência máxima nos motores para sair da rota de colisão, o que ele faz duas vezes em cerca de um minuto. O movimento fugoide volta a ser amplificado. Na segunda vez em que as manetes são colocadas em posição de potência máxima, o nariz chega a apontar 40º em relação ao solo, inclinação anormal para a aviões comerciais, e o Jumbo entra um um breve estol, ou perda de sustentação, a apenas 2,7 km de altitude.
Para evitar um novo estol, Takahama decide por um novo procedimento: baixar os flaps.
Os flaps são extensões da asa que aumentam a sustentação a baixas velocidades e desaceleram o avião. Sem o sistema hidráulico, eles tiveram que usar um sistema elétrico auxiliar.
A manobra não deu certo. O 747 passou a perder altitude numa razão duas vezes maior que a de uma aproximação normal. Ele seguia incapaz de fazer a curva para a posição correta. “Aeronave incontrolável”, reportou Takahama, novamente.
Sasaki tentou novamente dar mais potência para ganhar altitude, mas passou despercebido por ele e seus colegas que a manete do motor 1 (na ponta da asa esquerda) ficou um pouco mais à frente. Um giro à direita começou a ocorrer.
Não havia mais possibilidade de recuperar o controle. Às 18h56, passados apenas 32 minutos da descompressão, o voo Japan Airlines 123 terminou se chocando contra uma encosta, explodindo. A maior parte da fuselagem seguiu mais algumas centenas de metros e colidiu contra um cume, mais abaixo, em uma região de mata fechada.
Sem sobreviventes?
A região da queda ficava próxima à de uma base militar norte-americana, que notificou a queda e até chegou a preparar uma operação de resgate. Os esforços, porém, foram abortados por ordens das autoridades japonesas.
Passaram-se horas noite adentro até um helicóptero policial se aproximar dos dois focos de incêndio do Monte Takamagahara. Concluiu-se que não havia chance de encontrar sobreviventes.
Forças de resgate foram mobilizadas para a região, mas não subiram na montanha até o amanhecer do dia 13. E eles tiveram uma surpresa.
Quatro pessoas, todas mulheres, foram resgatadas com vida no local da queda. Uma delas era Yumi Ochai, uma comissária da Japan Air Lines que estava no voo como passageira, em uma das últimas fileiras de assentos.
Seu relato mudou a forma como as equipes de resgate operam em tragédias do tipo: ela disse ter ouvido vozes de diversos sobreviventes ao longo da noite, que cessaram aos poucos. Ela relatou até uma mãe e um filho conversando.
Por isso, até hoje, as equipes de resgate iniciam as operações o mais rápido possível após qualquer desastre, não importem as chances de haver sobreviventes.
Memorial em homenagem às vítimas do acidente do voo JAL 123, no Japão
AFLO/Reuters
Uma batida em 1978 se conecta ao acidente fatal
O acidente do voo 123 causou uma forte comoção no Japão e no mundo. Nunca um acidente envolvendo uma única aeronave havia matado tantas pessoas – 520, no total. A confiança na Japan Airlines e nos próprios 747 caiu, colocando em xeque o futuro da companhia e do próprio modelo.
Curiosamente, o quebra-cabeças começa a ser montado a partir do aeroporto Itami, de Osaka, que seria o destino final daquele voo.
Foi lá que, em 2 de junho de 1978, o mesmo Boeing 747 SR fez um pouso por instrumentos, em condições climáticas adversas, que resultou numa batida da cauda do avião.
O impacto foi violento, deixando 25 ocupantes feridos, dois deles em estado grave. A fuselagem foi perfurada, obrigando o recolhimento da aeronave para reparos.
O erro: uma única fileira de rebites
No hangar, os mecânicos assinalaram o rompimento de uma outra peça: o anteparo de pressão traseiro. O componente é um enorme disco de formato semelhante a um guarda-chuva, feito de materiais compósitos ultrarresistentes.
Quando um avião ganha altitude, ele precisa manter a cabine pressurizada. A função do anteparo é não deixar a pressão do ar interna "escapar" para a atmosfera, muito mais rarefeita.
A Japan Air Lines entrou em contato com a Boeing para auxiliar no reparo. A fabricante sugeriu a colocação de uma placa para cobrir as áreas danificadas da peça. A indicação, porém, foi de prender as placas no anteparo com uma única fileira de rebites.
Em retrospecto, investigadores concluíram que seriam necessárias duas fileiras para distribuir a pressão entre os rebites de forma segura.
Mais voos do que o possível
A aeronave voltou a voar após o reparo. Como era usada para voos curtos, o 747 vivenciou um número elevado de ciclos de compressão e descompressão. A Japan Air Lines não encontrou sinais de fadiga na peça nas manutenções subsequentes.
Durante as investigações, a própria Boeing calculou que o reparo com uma fileira única de rebites teria uma vida útil de cerca de 10 mil ciclos de decolagem e pouso. O 747 envolvido no desastre teve exatamente 12.319 ciclos até o fatídico voo de agosto de 1985.
Quarenta anos depois, as normas de manutenção têm sido continuamente revisadas e se tornado mais exigentes. Os reparos a componentes vitais das aeronaves passam por um maior escrutínio.
A Boeing atualizou os manuais do 747 e seus próprios protocolos. No Japão, porém, a Japan Air Lines sofreu com a perda de sua reputação. O presidente da companhia renunciou.
Outros profissionais da empresa tiveram um destino mais triste. Um mês após o acidente, o diretor de manutenção morreu, em um incidente considerado suicídio pelas autoridades japonesas. Dois anos depois, um engenheiro envolvido diretamente no caso também tirou a própria vida.
O acidente com o voo 123 da Japan Airlines
Otavio Camargo/g1
g1 conta a história de acidentes e incidentes aéreos famosos
⚠️ A reportagem acima é parte de uma série do g1 dedicada à reconstituição de acidentes e incidentes aéreos, explicando como ocorreram e quais as lições aprendidas. Leia a seguir alguns dos textos já publicados:
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